Durante cerca de 20 anos, Francisco Isolino de Siqueira tem suas crônicas publicadas semanalmente no jornal Correio Popular, de Campinas. Escrevendo sobre o quotidiano da cidade e das pessoas que povoam sua vida, o advogado, jornalista e professor analisa e acompanha as condições econômicas, político-sociais e afetivas que definem os relacionamentos de seu tempo. Sempre através de verdadeiro diálogo com seu "leitor e amigo".

Seja destacando as obras desenvolvidas pelas entidades assistenciais da cidade e chamando o leitor à participação eficiente, seja incentivando os jovens à leitura e à inserção na vida política de sua comunidade ou ainda, relatando com humor as histórias de seu primo, "aquele que sofre do fígado", Isolino de Siqueira desenvolve estilo próprio e marcante de registrar, em forma de crônicas, o mundo à sua volta e também aquele dentro de si.

As crônicas publicadas neste blog são amostras de seu estilo literário cativante, original e pessoal, que conquista o leitor, mantendo vivas as suas mensagens, poesia, beleza e valores atemporais.

Boa leitura. Ou melhor, bom diálogo com este corintiano "irmão de quotidiano".

"Se eu pudesse recomeçar eu procuraria fazer meus sonhos ainda mais grandiosos porque essa vida é infinitamente mais bela e esplêndida do que eu pensava, mesmo em sonho". - Francisco Isolino de Siqueira

(trecho extraído da crônica "Colóquio")

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nova Constituição

Senhores, façam silêncio. Vamos começar os trabalhos parlamentares e para tanto carecemos da atenção de todos. Aí estão caderno e lápis fornecidos pelos cofres públicos e durante os trabalhos há tempo para pequena refeição, sadia e balanceada. Como deve ser a alimentação de parlamentares e constituintes. Tudo muito frugal. Neste capítulo trataremos dos estados da alma. O artigo primeiro define tais situações estas que encontramos aqui dentro, sei lá se no coração ou na alma toda. Os estados principais são: enxuto, úmido, rarefeito e sólido. Estar enxuto, não há nenhuma referência à água, mas à alma. Falta-lhe um pouco de loucura. Ela apenas ama. Para que não fique enxuto é preciso quebrar toda a rotina dos sentimentos. Dizer, como em ladainha, eu te amo, no mesmo ritmo do ponteiro de segundos, este pequenino que fica na parede de baixo do relógio. Claro que deve ser assim também com a mulher de verdade, esta que está ao nosso lado há tanto tempo. Ela não é bonita? Então diga isto muitas vezes. Faça escândalo com ela mesma. Aí você deixa de estar enxuto. E fica entre o úmido e o rarefeito.

O estado gasoso, ou rarefeito, é esplêndido. Você não para em recipiente nenhum, - seja o quarto, o escritório, as salas solenes dos tribunais da vida. Você escorre pelo espaço. Atravessa janelas e atinge o horizonte. Todos devemos ser voláteis. Só agimos neste estado sob pressão. É proibido, e deve constar de um dos artigos desta nova Carta, que se não deve pressionar os seres gasosos ou gososos. A eles lhes cabe a variedade das formas, as mesmas que as nuvens exibem, corajosamente. Porque são loucos de amor. Ah! Os sólidos. Esquecíamos de dizer que são os impenetráveis, ordeiros, geralmente quadrados ou esféricos, estes são perfeitos. Tem ene lados. Como as bestas. Dificilmente se fica sabendo se amam. Há segura convicção de que não são amados.

Podemos passar já, para a ordem econômica. Este é dos capítulos mais significativos. Quem sabe se possa mudar o rumo do povo deste País imenso, desde logo. Poucos artigos, definições que sejam as mais precisas. Há também que caracterizar as situações financeiras. São as principais, estas: a do perdulário, do comedido, do economista e finalmente do empresário.

Perdulário é todo aquele que se gasta, sem medidas, aos pés da mulher amada. Esbanja afeto, com intervalos que deve manter com alguma regularidade, a fim de que se não inflacionem os sentimentos. Excesso de doces beijos pode provocar diabete. Que se diga isto aqui, embora caiba melhormente no capítulo dedicado à saúde do espírito e outras partes do território humano. Comedido é o cidadão arrumadinho em material amoroso. Tem hora certa. Marca na folhinha. Comemora alguns aniversários curiosos - como aquele do último beijo. Economista é o beneficiário desta constituição que aplica regras ou admite tendências que sempre dão outro resultado. Na prática do amor ou exagera na demanda ou na oferta. Em outros termos, bagunça o mercado. Sobem e descem as taxas, os preços não têm controle. O valor do afeto fica à mercê da bolsa. Já o empresário só ama segundo o fluxo da caixa. Por isso a mulher amada, nas situações deficitárias, equilibra o balanço com recursos de terceiros.

Senhores, chegamos às disposições transitórias. Sugiro que sejamos breves. Acabam-se papel e lápis. Não há mais recursos na cozinha deste congresso. Vamos acrescentar alguns e poucos artigos que sintetizem a convivência, para a efetiva utilização do amor partilhado. Ou quem sabe caiba como artigo único, esta advertência. Deus, ele mesmo, pode tudo menos forçar o homem a amá-lo. Porque todo grande amor é necessariamente crucificado.

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