Durante cerca de 20 anos, Francisco Isolino de Siqueira tem suas crônicas publicadas semanalmente no jornal Correio Popular, de Campinas. Escrevendo sobre o quotidiano da cidade e das pessoas que povoam sua vida, o advogado, jornalista e professor analisa e acompanha as condições econômicas, político-sociais e afetivas que definem os relacionamentos de seu tempo. Sempre através de verdadeiro diálogo com seu "leitor e amigo".

Seja destacando as obras desenvolvidas pelas entidades assistenciais da cidade e chamando o leitor à participação eficiente, seja incentivando os jovens à leitura e à inserção na vida política de sua comunidade ou ainda, relatando com humor as histórias de seu primo, "aquele que sofre do fígado", Isolino de Siqueira desenvolve estilo próprio e marcante de registrar, em forma de crônicas, o mundo à sua volta e também aquele dentro de si.

As crônicas publicadas neste blog são amostras de seu estilo literário cativante, original e pessoal, que conquista o leitor, mantendo vivas as suas mensagens, poesia, beleza e valores atemporais.

Boa leitura. Ou melhor, bom diálogo com este corintiano "irmão de quotidiano".

"Se eu pudesse recomeçar eu procuraria fazer meus sonhos ainda mais grandiosos porque essa vida é infinitamente mais bela e esplêndida do que eu pensava, mesmo em sonho". - Francisco Isolino de Siqueira

(trecho extraído da crônica "Colóquio")

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Leitores e Livros (I)

Desde que me conheço por gente enxergo ao meu redor estantes cheias de livros. Papai, Hildebrando Siqueira, era bibliomaníaco. Isto quer dizer que além de gostar de ler gostava do livro. Eis um dos meus vícios - a leitura. Não sou fanático, mas procuro ocupar alguns momentos de minha vida com a melhor companhia, a de autores e livros que me conduzem para novos mundos, riqueza de idéias e, assim, tentativa de novos procedimentos. Estou a pensar em voz alta, nestas férias de julho, enquanto corrijo as provas de meus alunos da Faculdade de Direito, a respeito da leitura. E, de como é urgente tentar que leiam mais, moços e velhos, a fim de que percebam quem sabe melhormente belezas que a vida reserva aos que abrem os olhos da alma. Lê-se pouco e lê-se mal. Em primeiro lugar vamos conversar a respeito de bibliotecas. Quando a maioria dos lares possuir a sua biblioteca, por mais modesta que seja, mas inteligentemente selecionada, teremos atingido o momento em que o desenvolvimento é consentido. Todos os que participam do processo do crescimento social devem desejá-lo. Isto é, devem ser autores do processo e não atores no processo. E, como enxergar melhor? Podem crer que a leitura ajuda decididamente até a curtir melhor o próprio destino.

Há excelentes bibliotecas em Campinas, desde a Municipal e central que é muito bem organizada, às das Universidades, do Centro de Ciência, Letras e Artes, da Academia Campinense de Letras e outras e muitas mais. Já levamos nossos alunos às bibliotecas? E nossos filhos? Nem todos podemos comprar livros e muito menos todos os livros que gostaríamos de comprar. Por isso é bom freqüentar bibliotecas. O hábito de estar com o livro, de manuseá-lo, quem sabe não baste. Ler e conversar a respeito da leitura, digerí-la e sentir-se alimentado quem sabe seja aquilo que chamamos de cultura. O que resta - o caldo que fica do alimento ingerido e o conhecimento novo, que nos conduz com mais segurança. Não sei o que fazer para que os meus alunos leiam. A leitura obrigatória apenas não leva a bom destino. É preciso que se tenha vontade e que se procure o livro, que se o tenha como alguma coisa além da descoberta de heróis e bandidos, mocinhos e mocinhas, mais ou menos amorosos e disponíveis.

Aprendi a ler. É preciso ler à maneira daquele leitor que pretende tudo do livro. Vou descrever a fórmula de leitura. E a adoto para qualquer gênero, desde o mais indigesto livro de Filosofia àquele romance gostoso e leve que nos entretém na sala de espera do dentista. Rabisco o livro. Primeiro hábito e que nos obriga a ler junto com o autor. Riscar a frase mais significativa. O pensamento que se sobressai deve ficar marcado. O trecho mais bem composto se acentua sob os traços da ponta que deve ser bem fina. Quando possível auxiliar-se do dicionário, mesmo para procurar apenas mais um significado para a palavra conhecida. E, manter junto com o lápis uma ficha de leitura. Aquela ficha que todos conhecem e que serve para registros gerais do pensamento. Anotem o que pensaram durante a leitura. Recomponham a sua conversa com o autor, a análise do tema, a frase que lhes parece mais expressiva. Deixem a ficha dentro do livro que foi lido. Leiam em qualquer momento, posição, lugar, e sempre que possível com interesse. Leiam até o fim, mesmo que o livro lhes seja maçante. É disciplina, embora às mais das vezes, aborrecida, mas que permite a crítica mais honesta. Finalmente parem para ver a banda passar. E, façam como a moça triste da inspiração do poeta. Fiquem alegres, porque há sempre novos acordes na partitura da vida.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Galeria de Arte

Quero sentir-me bem onde trabalho. Aqui passo quase metade do meu dia. Por isso faz falta a companhia de coisas simpáticas - móveis e gente. Cadeiras e mesas podem ser adquiridas com a qualidade reclamada. Gente não. No escritório há gente móvel e os que integram o imobilizado. A primeira classe é dos que passam e a segunda é a dos que convivem. O imobilizado - isto é, a gente permanente enfeita o quotidiano e isso é bom. O nosso atendimento se faz em sala especial e ali criamos verdadeira galeria de arte. São quadros de artistas diversos, originais, de tal sorte que enriquecem os momentos humanos que ali se praticam. Coloco de propósito um dos quadros de tal maneira que fique bem defronte à cadeira em que sento durante as entrevistas e reuniões. É trabalho sensível de Suely Pinotti. Um menino ajoelhado brinca com a bola de gude. As cores definem a criatura em branco, como devem ser pintadas as crianças. O interesse tranqüilo da pequena figura transporta-me repetidas vezes para outros cantos da vida, especialmente nos instantes em que, durante o trabalho, preciso fugir de mim mesmo. Ou da gente móvel, dos que transitam diante de minha angústia. Há outros quadros, dentre eles um Tanaka que movimenta cores com audácia. Mas prefiro o menino - debruço-me também com ele para a melhor jogada.



Aquela sala, a nossa vida, o lar, a rua, a sociedade são galerias de arte. É preciso encontrar o quadro que nos conduza seguramente ao sonho. E há sempre mais de um menino debruçado à escuta dos sons da terra. E se podemos adquirir mesas e cadeiras que enfeitam escritórios, não é nada difícil apreciar a arte das próprias criaturas. São galerias de arte os palcos e as peças - há as figuras tristes, criminosas e amoráveis. São também exposições da vida o cinema e o esporte, o clube recreativo e a igreja. Há santos e bandidos. Vencedores e vencidos. Como aproveitar todos os matizes? Os toques audazes do pincel ou o corte violento do cinzel - os homens bons e os menos bons. Os mais bonitos e os que podem ficar bonitos. Para aproveitar a galeria de arte que é a própria vida eleja o seu quadro predileto. Não se esqueça da moldura. Ela delimita o espaço infinito e garante a segurança do belo criado. Permite que você mesmo defina aquele instante que se compôs no tempo. É o único passaporte para Pasárgada.



Ou então crie. Pinte o seu quadro. O que você espera? Que a inspiração lhe garanta um Fra Angélico? Parecem-lhe pesados os pincéis e nem poderia ser diferente. É difícil fazer aquele azul ou esparramar o verde convincente. Por que você não ama pura e simplesmente se os pincéis lhe não respondem? Já pensou que esplêndida obra de arte está ali a sua disposição, em seus filhos, na mulher que o atende como a eminência parda de todos os destinos, nos seus amigos? Há cores ao infinito na aquarela da convivência. Emoldure-os, a estes momentos humanos. Você compõe a própria moldura. Então pode aproveitar gostosamente a sua galeria de arte, não a galeria que você cria, ousada e repetidamente. Daí sim você pode eleger melhormente o seu quadro - a criatura de sua escolha. E descobrimos com certeza que é urgente trabalhar minuto a minuto o esforço artístico. Que não há pincel mais exigente que o amor convencido e que é preciso refazer sem cansaço as linhas do próprio amor. Então você fica tão entusiasmado que acaba adquirindo a própria obra.